sábado, 20 de junho de 2009

Automonia moral


AUTONOMIA:OBJETIVO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR?


Ester Martin Branco Pinto


Em meu trabalho com a Psicopedagogia Institucional, percebo a dificuldade das pessoas assumirem posturas autônomas. Sabemos que este processo inicia-se na convivência familiar. Mas e a escola, em quanto participa, que tipo de formação moral e intelectual está oferecendo a nossas crianças? Esta incentivando a autonomia ou formando sujeitos passivos e repetidores?

Partindo destes questionamentos, busquei respostas através de observações a classes de 1ª série do ensino fundamental de uma escola estadual de Porto Alegre e, também, turmas do ensino médio e escolas particulares. As observações foram analisadas e o embasamento teórico feito a partir de autores como Jean Piaget e Lawrence Kohlberg, foram ainda consultadas obras de Constance Kamii, Rubem Alves, Roberto Crema e Pierre Weil.

O desenvolvimento moral na criança: (teorias)
Piaget defende a existência de categorias do pensamento lógico e da constituição da consciência moral e, que estas sejam uma construção gradual e sistemática.
Suas pesquisas e investigações sobre o desenvolvimento moral deram-se através dos jogos de regras.
A psicogênese da moralidade, segundo Piaget, é dividida em estágios, cada um dos estágios superiores incorpora o estágio anterior. A passagem de um estágio a outro se dá pela assimilação e a acomodação.

São os estágios:
Anomia: característica da criança de até +/- 2 anos, que são fortemente egocêntricas e não distinguem o certo do errado as tornando incapazes de seguir regras. (relação = afeto)
Heteronomia: característica da criança de +/- 2 anos à +/- 6 anos, período em que surge o respeito às regras, não por compreendê-las, por imposição de pessoas com maior autoridade. São exteriores à criança. Respeito unilateral. (relação = afeto e medo)
É o período do realismo moral, onde a crença é de que a boa criança é a que segue a regra dos adultos.
A idéia de justiça é confundida com a idéia de lei e com a autoridade. (Taille: 1992, p.53)
Autonomia: a partir dos 6 anos a criança começa a compreender as regras como acordos acertados entre as partes.
"a regra do jogo se apresenta à criança não mais como uma lei exterior, sagrada, enquanto imposta pelos adultos, mas como o resultado de uma livre decisão, e como digna de respeito na medida em que é mutuamente consentida" (Piaget: 1994, p.60)
Piaget trata também, em sua teoria, do problema das sanções relacionando-a com a justiça. Ele nos fala de dois tipos de sanção: a sanção expiatória, quando a qualidade do castigo é estranha àquela do delito e a sanção por reciprocidade. (Taille: 1992)
A sanção expiatória é característica das crianças menores e a por reciprocidade dos maiores, mas a sanção expiatória esta relacionada à coerção e a autoridade adulta sobre as crianças, ou seja, jamais deixam de ser observadas entre os adultos.
A heteronomia da criança é constantemente reforçada através das punições e das recompensas. A punição leva a criança a fazer o cálculo de risco, a adotar uma atitude de "conformidade cega", ou de revolta, ou seja, continuam heterônomas, não seguem as regras, mas também não as criam.
Para formar um sujeito autônomo é necessário que a autoridade adulta seja diminuída e o respeito mútuo seja desenvolvido.
Kohlberg, em suas pesquisas identificou seis estágios de raciocínio moral, através da análise a respostas a dilemas morais. Ele faz uma divisão em 3 níveis, onde cada um destes é composto por dois estágios, são:
Nível pré-convencional: é característico das crianças com menos de nove anos. Neste período a criança está atenta às normas culturais, ao que é certo ou errado, mas baseados nas conseqüências como a punição ou recompensa. Este nível é dividido em dois estágios:
Estágio 1 - orientação para a punição e obediência.
Neste estágio não são considerados o significado humano e o valor das atitudes e conseqüências e sim as conseqüências físicas do ato em si.
Estágio 2 - orientação relativista instrumental.
Neste estágio é considerado como justo aquilo que satisfazer as necessidades. A reciprocidade é como "toma lá, dá cá", e não com e sentido de lealdade, gratidão ou justiça.
Nível convencional: neste nível as conseqüências obvias e imediatas, não são consideradas. É o período onde existe um conformismo e lealdade à ordem constituída. Este nível compreende dois estágios.
Estágio 3 - orientação interpessoal do" bom menino/menina"
Neste estágio a crença de que se é bom quando agradamos e somos aprovados pelo outro. A "boa intenção" torna-se importante..
Estágio 4 - orientação à lei e à ordem constituída.
O comportamento correto é aquele que mostra respeito pela autoridade. Manter a ordem social apenas pelo desejo de mantê-la, não por uma escolha pessoal moral.
Nível pós-convencional: começa a definir-se o que é expectativa do outro e expectativa minha, o que é válido e aplicável, não por ser imposto, mas por identificação. Este nível tem dois estágios.
Estágio 5 - orientação para o contato social
Neste estágio o justo passa a ser aquilo que é constitucional e aceito de acordo com valores e opiniões pessoais. As leis deixam de ser consideradas válidas pelo simples fato de serem leis. As leis devem ser constituídas através de acordos e contratos.
Estágio 6 - orientação ao princípio ético e universal
O justo é definido pela consciência de acordo com princípios éticos, não são regras morais concretas. Quando não é possível modificar as leis, consideradas injustas, pelos meios legais, ainda assim existe resistência a elas.
"No desenvolvimento por estágios, o movimento de um estágio a outro acontece quando se cria um desequilíbrio cognitivo (...) Se numa dada situação, a estrutura cognitiva atual não pode resolver um problema, o organismo adapta-se a uma estrutura que possa resolvê-lo". (Duska, Whelan: 1979, p. 60)
É importante, também, salientar que as habilidades cognitivas e a idade cronológica são condições necessárias, mas não suficientes, ao desenvolvimento moral.

Educação e Sociedade :
Há muito que se ouve falar em mudança de paradigma na educação, quanto à passividade dos alunos, a falta de parceria entre os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem e principalmente ao modelo linear, onde a educação escolar se reduz ao ensino e a transmissão intelectual.
"A criança é modelada para aprender e se vender por notas, que precisa mostrar aos pais, jogando a sua originalidade na lata de lixo. Talvez essa seja uma das origens da corrupção. Mais tarde, essa pessoa "educada" se venderá por outras notas!" (Roberto Crema: 2001, p.42).
É claro que a escola não é a única "vilã", não são poucos os que influenciam em nossa formação, em nossas decisões e destas influências que resulta o tipo de homem/mulher que somos, ou seja, somos a soma dos desejos dos pais, da escola, do governo, líderes religiosos,.. e de nossos próprios desejos. A escola ainda é vista como a principal instituição para se adquirir o conhecimento e uma ascensão profissional, e parece estar cumprindo sua função: E quanto a parceria? Pois, a escola além de educar para conhecer e para fazer precisa não deixar de educar para conviver e para ser.
"Nietzche dizia "O que elas realizam (escolas), é um treinamento brutal, com o propósito de preparar vasto número de jovens, no menor espaço de tempo possível, para se tornarem usáveis e abusáveis, a serviço do governo". Se ele vivesse hoje certamente faria uma pequena modificação na sua última afirmação. Em vez de "usáveis a serviço do governo", diria "usáveis e abusáveis a serviço da economia" (Rubem Alves: 2000, p.23).

Prática:
O trabalho de campo foi realizado em uma escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio de Porto Alegre. Foram observados em classe as turmas 11, primeiro ano do ensino fundamental e turma 304, terceiro ano do ensino médio e durante intervalos e horas livres no pátio da escola. São, também, considerados relatos de professores e pais desta mesma escola e de professores, orientadores, alunos e pais de outras escolas estaduais e particulares.

Relato:
A primeira observação realizada foi à turma de ensino fundamental, durante um turno inteiro de aula as crianças ficaram com algumas folhas de ofício, respondendo, colorindo, completando, copiando,.., sem nenhuma oportunidade de criar, pesquisar ou concluir. Quando um assunto, quase que geral na classe, como por exemplo a figura de um lavrador, gera o interesse pelas coisas da terra, não acontece nenhum movimento da professora em explorar e enriquecer o trabalho. O pedido de silêncio é constante, mesmo quando os alunos conversam, discutem e trocam idéias sobre o próprio trabalho. A professora, em determinado momento, solicita a um dos alunos que deixe o colega fazer sozinho, passo a observá-los e percebo que está acontecendo uma mediação, um colega auxiliando o outro, ele insiste e mais uma vez ela solicita: deixe-o fazer sozinho.
Quando da segunda observação, no ensino médio, chego na sala de aula as 7:00, horas de início, as 7:15 chega a professora de geografia e inicia a aula com 3 alunos presentes, após 10 minutos chegam mais 5 alunos, e para minha surpresa o trabalho é responder um questionário, revisão para prova. Destes 8 alunos apenas dois deles respondem as questões, os outros ficam aguardando as respostas no final da aula. Bate o sinal, o professor retira-se e os alunos vão para a sala de artes. (não foi possível acompanhar a aula de artes), ou seja, nada criaram, pesquisaram, questionaram ou concluíram. Durante esta mesma aula surgiu o assunto referente a formatura, onde mencionaram não ter o apoio de nenhum dos professores e muito menos da direção da escola, por isso estavam organizando do jeito que podiam.
No horário de entrada é comum os professores dirigirem-se para as salas de aula quinze minutos após o sinal. A agitação dos alunos é total neste período.
Comentários de pais, professores orientadores e alunos. (escola observada e outras)
A quinta série o que menos vem fazer na escola é assistir aula, e seus professores o que menos fazem é atraí-los para a sala de aula.
Minha filha está sem aula desde quarta-feira, eles iriam à feira do livro, mas os professores não quiseram levá-los porque são muito "bagunceiros", aí não teve aula, transferiram o passeio para quinta-feira, também não foram e os professores não vieram dar aula e sexta-feira foi feriado.

No início do ano a pré-escola e a primeira série do ensino fundamental ficaram sem aulas por 15 dias, o prédio destas estava sem água e foi interditado pela SEC. Antes do início do ano letivo o problema já existia e não foi solucionado.
A pré-escola ficou sem aulas por 2 meses (setembro e outubro), o prédio alagou com as fortes chuvas. Este problema existe a 20 anos e não foi solucionado.
Pedi demissão da escola onde trabalhava, estou desiludida com a educação, virou um comércio. Alguns alunos roubaram um engradado de refrigerante. Queria chamar os pais e trabalhar isto junto com seus filhos. Não me foi permitido, me disseram que os alunos já haviam pagado os refrigerantes, os pais poderiam ficar chateados e tirarem seus filhos da escola.
Consultei dois especialistas em educação, pois não estava concordando com as atitudes que via dentro da escola, fiquei em dúvida. Realmente não é correto. Vou trocar meu filho de escola, pago muito caro por muito pouco.
É um absurdo um aluno pode não ter notas satisfatório durante todo o ano, se alcançar média na última prova está passado. E mais, não precisa nem freqüentar a aula, se eu rodá-lo por faltas ele vai até a SEC eu faço de conta que dei aulas de recuperação e tenho que passá-lo.
Que besteira. Para que estudar o ano inteiro se só o que preciso é tirar uma boa nota na última prova do ano?
A S. não vê nada, meu filho chegou em casa com as costas toda machucada de uma paulada que levou de um coleguinha.
Se ela não se interessa na aula não vai ao passeio.
Se ele não me entregasse o atilho eu tiraria meio ponto na nota da prova.
O M. A. saiu da aula e passou o tempo todo na rua, só voltou na hora da mãe dele buscar. (aluno de 1ª série do ensino fundamental falando do colega de turma - ambos c/ 8 anos)
Bem, teria muitos outros relatos para transcrever, mas acredito que estes mostrem a realidade de nossas escolas. É importante ressaltar que estes não são apenas referentes a escolas públicas, mas também a escolas particulares.

O que pensar?
Acredito que as crianças são pesquisadoras por natureza, através de suas construções e reconstruções, perguntas e comentários a respeito das coisas que as rodeiam, buscam respostas e possibilidades de compreender o mundo. Em toda a sua inocência e alegria pela vida acreditam poder questionar, discordar e experimentar o que está a sua volta.
Toda a potencialidade da criança, ao ingressar na escola, parece não ser levada em conta. A originalidade e individualidade de cada um são trocadas pela padronização. Falar, agir, escrever, responder e, até mesmo, pensar igual.
A escola hoje, ou sempre, está séria demais, "carrancuda". O lazer, o riso, o lúdico, o experimentar não são permitidos, a curiosidade não é satisfeita, as perguntas ficam sem respostas.
A família, a sociedade está cada vez mais do lado de fora dos portões da escola. Em nome de uma "proteção" os muros e as chaves aumentaram. Será esta a forma de ensinar a vida, deixando-a do lado de fora?
Nossas crianças e nossos jovens estão cada vez mais sozinhos e menos motivados para o encontro, respeito, regras, convivência, não estão cuidando de si e, menos ainda, do outro, tendo atitudes mal educadas, agredindo professores e colegas e ignorando qualquer tipo de regra. - buscam o ponto de equilíbrio -.
Nossos professores não estão sabendo lidar com nossos alunos. Pedem para que uma geração do movimento fique quieta e em silêncio, ouvindo respostas "certas", onde basta ter boa memória.
Estes professores precisam aprender a lidar com o pensar, com o sentir, com o cuidar e com a fé ao mesmo tempo.
Os alunos querem a interação, a participação, querem a parceria, não importando quem sabe mais, mas o encontro com este, o respeito e os limites.

A autonomia como objetivo da educação:
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. (Rubem Alves. www.rubemalves.com.br)
Percebo em nossos professores um forte autoritarismo perante os alunos. Desenvolver a autonomia em um ambiente autoritário não me parece possível. Nossos alunos sentem-se como "depósitos" do conhecimento do professor, percebem-se como pessoas que nada tem a contribuir para o processo ensino-aprendizagem.
Infelizmente, na escola, os estudantes são levados a recitar respostas "certas", e raramente são perguntados sobre o que pensam sinceramente. (Kamii, 1985 p 129)
Das aulas que observei e das conversas com professores, em momento algum percebi como objetivo o ensinar o pensamento crítico aos alunos, mas ao contrário, como diz Kamii - "recitar respostas "certas". Nossas escolas ensinam os resultados e não o como chegar a eles.
Quando nossas escolas educarem, além de para conhecer e para fazer, também o para conviver e para ser estaremos no caminho da educação para a autonomia e isto importa em uma transformação radical do processo educacional.
A essência da autonomia é que as crianças tornem-se aptas a tomar decisões por si mesmas. A autonomia significa levar em consideração os fatos relevantes para decidir agir da melhor forma para todos. (Kamii, 1985 p 108)

Considerações finais:
Rosseau e Kant, cada um deles por formas distintas, já buscavam os caminhos da autonomia. Esta busca é bastante antiga.
Sou uma educadora que acredita ser possível chegarmos a uma educação que favoreça o desenvolvimento moral e intelectual de nossas crianças e jovens. Caso contrário veremos dia a dia o crescimento da violência e do suicídio infanto-juvenil.
O professor precisa tornar-se mais atraente, precisa surpreender positivamente, buscar a cooperação, o encontro, a parceria no aluno. Tornar-se mais atraente é ter a capacidade de se reencantar e encantar a cada novo momento. O reencantar-se é o resultado entre o que ele recebe do aluno, da escola e da comunidade e o que ele realmente busca.
A parceria professor, aluno, sociedade, o global passa a ser a base do processo ensino-aprendizagem desta nova sociedade. A alavanca para a mudança de paradigma educacional.
Como nos diz Kamii (1985): precisamos retornar a antigos valores e relações humanas.
Referências bibliográficas:
ALVES, Rubem: A alegria de ensinar. Campinas : Papirus, 2000.
____________ Gaiolas e asas. Home page Rubem Alves.
CREMA, Robarto; Araújo, Washington: Liderança em tempo de transformação. Brasília: Letraativa, 2001.
DUSKA, Ronald; WHELAN, Mariellen. Desenvolvimento moral na idade evolutiva - um guia a Piaget e Kolhberg. São Paulo: Edições Loyola, 1994.
INOUE, Ana Amélia: Temas transversais e educação em valores humanos / Ana Amélia Inoue, Regina de Fátima Migliori, Ubiratam D'Ambrósio. São Paulo: Peirópolis, 1999.
KAMII, Constance. A criança e o número. Campinas: Papirus, 1985.
MORAL e Tv / org., apres. Maria Lucia Tiellet Nunes; pref. Rita Petrarca Teixeira; Biaggio,ªM.Brasil. Porto Alegre: Evangraf, 1998.
PIAGET, Jean. O juizo moral na criança / tradução Elzon lenardon. São paulo: Summus, 1994.
TAILLE, Y.; Oliveira, M ; Dantas, H. piaget, Vigotsky, wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.
WEIl, Pierre. A mudança de sentido o sentido da mudança. Rio de janeiro: Rosa dos tempos, 2000.
Werri, A .P.S e Ruiz, A .R: Autonomia como objetivo na educação. Paraná

Um comentário:

Tatiana C Marques disse...

Legal amiga... adorei..... isso é fazer a diferença.... bjos tatiana